1
INSPIRA:
diariamente uma montanha de lixo é formada na esquina das ruas Carlos
Gomes e Forca, no Bairro Dois de Julho, centro antigo de Salvador.
a arquiteta - sempre me impressionou a quantidade de lixo
fresco presente naquela esquina. As contribuições começam cedo, junto com o
serviço de coleta. Mas o lixo persiste por todo o dia. A prefeitura já
fixou avisos proibindo jogar lixo no local, grafiteiros já tentaram amenizar o
caráter inóspito da esquina, mas a montanha de dejetos é permanente.
Por volta das 18 horas, quando a pilha de lixo já está montada, o
trânsito local fica intransponível. Pedestres misturam com carros, lixo e com
aqueles que fazem do lixo seu jantar. E para abrilhantar ainda mais a situação,
às 18h30, o caminhão da Limpurb chega e fecha meia pista da Carlos Gomes,
estrangulando veículos de todo porte e pedestres de toda espécie para abrir espaço
para garis, pás, enxadas e garfos de jardim, além de muita fé, na função de
remover a "montanha". Retirado o lixo, o chorume permanece e o lixo do dia
seguinte vira a redenção daquele lugar. É incrível! Não sei dizer o que é
pior: com lixo ou sem lixo.
2
PAUSA:
o cidadão descarta o lixo e ocupa a calçada. A calçada vira depósito de
lixo. O pedestre deixa de usar a calçada e usa a rua. Os veículos usam a rua. O
caminhão da Limpurb usa a rua e a calçada. O morador de rua usa a rua, a
calçada e o lixo. O lixo sai da calçada. O chorume fica. Fica dividido o
cidadão: será que piso ou entulho?
a arquiteta - por que os agitadores pela reciclagem e
compostagem orgânica não atuam naquele lugar? O que pode ser feito? A
prefeitura limpa e o comércio local suja num incansável jogo de gato e rato.
Por que tanta falta de zelo, compromisso e responsabilidade com os lugares de
uso público? Por que as políticas de conduta não se efetivam?
O mais incrível é a fila transversal de pedestres que se forma na frente
dos carros estacionados na Rua da Forca por ser impossível esperar na calçada o
momento de atravessar a Rua Carlos Gomes. Quando a sinaleira de quem aguarda na
Rua da Forca se abre carros e pessoas atravessam a pista ao mesmo tempo e no
mesmo fluxo, “condividindo o mesmo pasto”.
De que vale a faixa de pedestres, a calçada, a rua, as sinaleiras e as advertências
de trânsito? Qual é a regra que vale?
3
EXPIRA:
agenciando mecanismos de operação.
a arquiteta - boa parte da pilha de lixo é formada por cascas de coco. Posso retirar
algumas do local, abrir uma cova, criar furos de drenagem, acomodar terra vegetal
e plantar samambaias! Daí compor um jardim vertical e gerar um microclima
diferenciado. Política de reciclagem associada ao zelo de quem cuida.
o segurança do lote - anote aí os contatos da firma que me contratou. Lá
você conseguirá os contatos do proprietário do muro. Não vejo problemas em
realizar essa intervenção artística. É preciso acordar o estado de crítica
desse povo! São famílias de ratos, baratas, gatos, entre outros animais, que
habitam esse lugar.
a firma de segurança – acho que não terá problemas em conseguir a
autorização do proprietário. O que mais me entristece naquela esquina é ver
aquele lixo sendo a refeição de muita gente…
o proprietário – mas você acha que só 7 dias serão suficientes para mudar a realidade
daquele lugar?
4
INSPIRA:
“o rizoma nele mesmo tem formas muito diversas,
desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas
concreções em bulbos e tubérculos”. (DELEUZE; GUATARRI, Mil platôs, 1995, p.15).
Samambaias são plantas vasculares que não produzem sementes. A reprodução acontece via esporos que dão origem a um indivíduo geralmente insignificante e de vida curta que produz gametas para dar origem a uma nova planta. As plantas totalmente desenvolvidas são formadas por um caule rizomático e folhas. Essa característica confere maior resistência à planta já que seu crescimento não está vinculado a uma raiz essencial e sim a raízes circunstanciais.
5
PAUSA:
lixo² - (cascas coco + samambaia) = lixo + jardim vertical
20 de maio de 2011, sexta-feira, às 17 horas, ação “Jardins da
Babilônia”.
1 carrinho de feira
1 guia
20 mudas de samambaia
20 cascas de coco
1 par de botas
1 par de luvas
1 jogo de facas
1 ponto de luz
1 ponto de água
1 furadeira
20 buchas
20 parafusos
1 rolo de arame
1 alicate
1 martelo
1 chave de fenda
1 regador
1 ajudante
Montagem do jardim vertical: broca 8, buchas e parafusos
correspondentes, arame envolta do caixepô e fixado nos parafusos presos ao
muro.
a arquiteta – definimos as linhas de composição, os intervalos e variações de composição.
Eu plantava as mudas, ouriçava as ramagens e escolhia os cocos mais robustos.
Tudo pensado e arquitetado.
os passantes - a culpa é da prefeitura!
o fiscal - a culpa é dos donos de lanchonete! Cada um tinha que ser responsável pelo
seu lixo até a hora da coleta!
os passantes – isso aqui tá fedendo!
o fotógrafo
– como o povo é ignorante… Todo mundo está vendo que ter lixo na calçada
não é legal, mas ninguém sabe o que fazer…
a arquiteta – será que uma boa reforma na calçada e coletores não resolveriam o
problema?
o fiscal – as calçadas são estreitas. Fica difícil para o pessoal da Limpurb
recolher o lixo…
a arquiteta – faltam políticas efetivas, então…
o segurança do lote – o que falta é educação doméstica!
os funcionários da Limpurb – a mais de 7 anos trabalho nesta rota e esse quadro
nunca muda!
o fiscal – eu estou aqui fazendo o meu trabalho, vocês o de vocês e a população não
respeita. Olha o cara mijando ali!
o instalador – ih Carol… tiraram o lixo e agora não consigo chegar nas buchas do alto…
o assistente
de produção – tome aqui um banquinho!
6
EXPIRA:
da raiz brotou rizoma que estendeu ramagens que gemou gametas, floresceu
folhas e instaurou debates.
Coleta de resíduos sólidos após as 22 horas? Mas o comércio do centro
fecha às 20h...
Cada um é responsável pelo lixo que produz, mas como despacha-lo sem infraestrutura
para recebê-lo?
A coleta acontece mais de uma vez por dia. O gari limpa, os sarcizeiros
rasgam as sacolas plásticas, o lixo se espalha e o cenário nunca muda — o
absurdo virou uma regra a ser repetida.
(...)
O Jardim ficou lindo!
7
INSPIRA:
3 dias após…
Menos 4 mudas. Arames e parafusos no lugar. Será que a cotação do aço
está em baixa?
5 dias após…
Menos 15 mudas. Restou apenas uma samambaia, os
parafusos, buchas e arames.
7 dias após…
Não havia mais nenhuma samambaia para contar
história. Porém, logo nas primeiras horas do sétimo dia, eis que surge um
grafite novo na face do muro! Estava assinado por Mônica Pinteho. Viva! A ação
agitou outras individuações! De uma raiz brotou rizoma que estendeu outros frutos.
Grafitagem póstuma: Mônica Pinteho – indialouca@hotmail.com –
(71) 88236318 – www.fotolog.com/top-feminino2
Informações importantes:
Aconteceu no dia 20/05/2011, às 17 horas.
Duração: 2h40min
Performer: Carol Érika
Instalador/ajudante/operador: Armando
Assistente de produção: Adalberto Palma
Foto: Aldren Lincoln
Vídeo: Marcondes Dourado
Este projeto foi contemplado pelo edital Giro das Artes Visuais de Apoio à Circulação de exposições 2009
Referências:
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996, 1 v.
Aconteceu no dia 20/05/2011, às 17 horas.
Duração: 2h40min
Performer: Carol Érika
Instalador/ajudante/operador: Armando
Assistente de produção: Adalberto Palma
Foto: Aldren Lincoln
Vídeo: Marcondes Dourado
Este projeto foi contemplado pelo edital Giro das Artes Visuais de Apoio à Circulação de exposições 2009
Referências:
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996, 1 v.